150 – Cabra marcado para morrer (idem) – Brasil (1984)
Direção: Eduardo Coutinho
Roteiro: Eduardo Coutinho
Em 1964 uma ficção baseada na luta de camponeses teve que ser interrompida devido ao golpe militar. Quase 20 anos depois, Coutinho retorna ao local e busca saber o paradeiro dos moradores.
Muito complicado falar do filme mais importante da carreira do documentarista mais importante do Brasil. Na ausência de algo melhor para dizer, prefiro citar o próprio Eduardo Coutinho, comentando sobre Cabra Marcado no livro “O Documentário de Eduardo Coutinho”, escrito por Consuelo Lins, editora Jorge Zahar, que pode ser adquirido aqui:
“O que significava continuar na Globo? Ter independência para Cabra Marcado ser o que é. O filme parava três meses, parava cinco meses à espera de mais dinheiro, e só deu para continuar porque eu recebia todo mês o salário da tv Globo.
A verdade da filmagem significa revelar em que situação, em que momento ela se dá – e todo o aleatório que pode acontecer dela. É importantíssima, porque revela a contingência da verdade que você tem. Revela muito mais a verdade da filmagem que a filmagem da verdade, porque inclusive a gente não está fazendo ciência, mas cinema.
Jamais quis fazer um filme que fosse uma análise do movimento camponês. Também não pretendi que as pessoas reconstituíssem o passado. Quis fazer algo sobre a memória do presente, como me disse um espectador. Nunca tentei recuperar na fala delas a reconstituição da integridade do movimento camponês e suas contradições. O importante era a memória delas, falando depois da anistia e diante de uma câmera. O que é, afinal, um filme histórico? Você pode recuperar integralmente o que aconteceu? Nunca. As reconstituições são sempre falsas.
Existem dois momentos em que ela fala da abertura. No primeiro, é empurrada pelo filho. No segundo, com uma certa liberdade. Um ano mais tarde eu vou entrevistar a filha dela e, na carta que Elizabeth lhe mandou, há uma referência da abertura. Está claro que é uma coisa que existe nela. Eu aceito as contradições do discurso dela, porque, se a gente não aceitar as contradições, não faz filme. Como podemos julgar o que pensa um camponês que está há 17 anos sem ver os filhos? Não é com o nosso critério.
Primeiro, o filme termina se referindo ao cinema – “quando este texto foi escrito” – ou seja, há a contingência do tempo. Segundo, eu estava querendo dizer: olha, passaram-se dois anos, e ela nem os filhos viu. E mais: o filme volta para o João Virgínio, e o texto diz que ele morreu dez meses depois das filmagens. Ou seja, a catástrofe é sempre eminente, você está sempre precisando resgatar, porque está sempre perdendo. Um ano depois não haveria mais filme, e a memória daquele cara teria se perdido. Então, ao contrário daquela coisa triunfalista que eu odeio nos filmes em geral, documentário e ficção, Cabra tem esses dois lembretes, que as pessoas esquecem um pouco. O filme não resolveu a vida de Elizabeth com os filhos, um dos personagens morreu e a memória dele podia ter-se perdido como a de tantos outros. Esse troço é essencial: evitar de todas as formas resolver a sociedade nos filmes. O cinema não vai resolver o social.
Esse filme, foi realmente a primeira vez na minha vida que eu quis fazer uma coisa. O resto, o que eu fiz antes, é brincadeira, eu não levo a sério. Não porque eu não goste, mas porque foi feito com a metade do corpo, com a metade da pessoa. E o Cabra não, fiz tudo que podia e que era possível. Eu realmente quis fazer e reuni as condições para fazer.”
Se eu pudesse, passaria o post todo citando Eduardo Coutinho. Citaria Consuelo Lins. Citaria o livro inteiro. Citaria todas as falas do filme.
É por isso que eu recomendo o filme e o livro. Sem dúvida ambos servem como aula sobre sociologia, cinema e ética.
Minha nota: 8,2
IMDB: 8,6
ePipoca: 6,6
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