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136 – Nascidos em Bordéis (Born into Brothels: Calcutta´s Red Light Kids) – Índia (2004)

Direção: Zana Briski; Rossa Kauffman
Roteiro: Zana Briski; Rossa Kauffman
Premiado nos mais importantes festivais internacionais, o filme narra a experiência da diretora em Calcutá, quando conheceu de perto a vida dos filhos de prostitutas que trabalham na área dos bordéis da cidade.
Taí um interessante filme para se refletir sobre a ética do documentarista.
Como o próprio filme apresenta, a sua origem partiu de um projeto fracassado da diretora, a fotógrafa Zana Briski, que pretendia documentar as prostitutas de um lugar barra pesada da periferia indiana. Por seus motivos, não deu certo, mas despertou a proposta de trabalhar com as crianças, os filhos das prostitutas.
Quem quiser, pode resumir o que se segue de uma forma mais simplista, maniqueísta. Uns podem dizer que a diretora foi invasiva, se portando como alguém de fora, consciente, portador da verdade e bons costumes, que penetra indevidamente no universo do outro, pobres coitados, ignorantes e sem futuro. Outros podem elogiar tal atitude, de uma estrangeira tentar, com suas ferramentas, mudar o futuro eminente das crianças.
No entanto, acho a questão um pouco mais complexa. Tento me colocar no lugar da diretora.
Primeiro, é preciso levar em consideração o fato de que Zana não é tão outsider assim. Ela não veio com um projeto pronto, chegou, executou e foi embora. Pelo contrário, o projeto era outro e sua execução durou mais de dois anos. Ou seja, foram dois anos convivendo com seus personagens, as crianças e seus familiares. Se estabeleceram vínculos e, fatalmente, fez a diretora se chocar com uma realidade tão diferente da dela. Esse é o grande X da questão. Daí em diante, o que você faria?
Ela tentou matricular as crianças nas escolas, fez exames de HIV, ensinou um ofício para elas. Enfim, assumiu o papel da mãe. Mas, seria isso um simples gesto assistencialista? Apesar da própria montagem do filme explorar dessa forma, acredito que tais ações não foram oportunistas, mas partiram de um sentimento de alguém que se relacionou intimamente com elas. Não foi um gesto de dar esmolas, mas de pegar pela mão. O que se esperava de Zana? Não fazer nada?
No entanto, não se pode desprezar o fato de que, tudo que ela fez, foi pautado no seu “estado de choque”, a partir de sua compreensão de mundo, seus valores e cultura. Ou seja, a sua verdade. E é aí que eu acho que Zana pecou, eticamente, enquanto diretora e também como ser humano. Não se pode dar falsas promessas, ainda mais para crianças. Não se pode chegar, do conforto de seu Ocidente, ofertar um mundo de sonhos, matricular na escola e ir embora. Isso é irresponsável. Não é Zana que vai criar as crianças, botar comida na mesa. São os familiares, mesmo esses sendo prostitutas, drogados ou violentos. Então, com que permissão, Zana se atreveu a interferir em uma cultura tão diferente da sua e em uma família, da qual ela não tem nenhuma responsabilidade?
É um grande dilema para o documentarista. Até onde a sua comoção e o seu ponto de vista pode te levar? Até onde, mesmo com todas as certezas do mundo, você pode interferir? Até onde você deve segurar seu choro e apenas documentar?
Por dias fiquei pensando naquelas crianças, em como elas estariam hoje. Procurei bastante na internet, mas não encontrei nada. Penso em como a experiência com o filme alterou a vida delas. Cresceram frustradas, com sonhos impossíveis de se realizar, o que torna a vida ainda mais dolorosa, em relação aos que não sonham? Seguiram outro caminho, a partir do novo mundo que lhes apresentaram? Terminaram a escola? Isso fez diferença? Se tornaram pessoas mais felizes ou infelizes? Gostaria de ir para a Índia só para conversar com eles e descobrir o que eles pensam a respeito e qual o efeito do filme em suas vidas, nas suas famílias e no seu íntimo.


Minha nota: 7,5
IMDB:  7,7
ePipoca: 6,5
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