84 – A Noite da Verdade (La Nuit de La Vérité) – Burkina Faso (2004)
Direção: Fanta Régina Nacro
Roteiro: Fanta Régina Nacro; Marc Gautron
Após dez anos da guerra civil entre o exército governamental dos Nayaks, e os rebeldes Bonandés, há alguns sinais de negociações de paz. Mas nem todos são a favor disso.
Muito interessante ver um filme produzido em Burkina Faso, o nono pior IDH do mundo, com 67% de desempregados e marcado por profundas guerras civis e golpes de Estado.
Fazer cinema em um país com tantas dificuldades de reconstrução me faz lembrar de Saneamento Básico, mas precisamente de uma entrevista em que o diretor Jorge Furtado argumenta “Um filme, mesmo de baixo orçamento, é caríssimo. Com R$ 3 milhões se faz uma escola. Essa é uma questão no Brasil. Como investir na produção o mesmo dinheiro que se construiria casas populares? Se partirmos para essa lógica, o país deve gastar só naquilo que é fundamental. Portanto, vamos discutir o que é fundamental. Eu acho que arte, cultura, cinema, são fundamentais. A tese do filme é um pouco essa. (…) Cinema é básico total. Na minha opinião, cinema é tão importante quanto saneamento. Morar numa casa sem saneamento é muito ruim, mas viver sem cinema também seria muito ruim. Qualquer cultura deve produzir cinema. Viver sem cinema não dá. Qualquer país sério tem que produzir cinema. O Brasil sempre produziu cinema e precisa continuar produzindo. Se o país puder resolver ao mesmo tempo os problemas de saneamento, ótimo.”
Acho que A Noite da Verdade é uma prova viva disso tudo que Jorge disse. É muito bem-vinda uma obra cinematográfica, enquanto o país ainda vai se reconstruindo e esboçando um futuro, mesmo com inimagináveis problemas no presente. O filme retrata uma nação, aparentemente fictícia, feita por homens e mulheres com medos, dúvidas, loucuras e conflitos internos; mas, sobretudo a importância de lutar contra si mesmo, para espantar os seus próprios demônios, em prol de um país sem guerras. Ele revela o quanto isso é difícil, pois reações humanas não se controlam com apenas uma assinatura no papel ou apertos de mão. É mais doloroso e imprevisível que isso. Mas é preciso cortar na própria carne, para sustentar a paz em um país que ainda possui as marcas das guerras.
E no meio de tanta coisa por fazer, o cinema chega em boa hora.
Para ler sobre uma experiência pessoal sobre Burkina Faso, sugiro esse texto aqui.
Para ler a entrevista completa de Jorge Furtado, clique aqui.